Pouco mais de de dois meses após assumir a presidência da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Miguel Cagnoni já acumula uma série de problemas na gestão e na prestação de contas da entidade, em uma época de contenção severa de despesas.
O LANCE! teve acesso a e-mails nos quais é possível identificar a falta de cotação de preços na contratação de serviços de informática, falhas no uso de recursos e indícios de manobra no reembolso de contas bancárias.
No dia 16 de agosto, o diretor financeiro da CBDA, João Pedro Maya, recorreu à funcionária Jeesly Copoli e explicou que a movimentação da verba recebida no Banco do Brasil só começou um mês após o início da era Cagnoni, pois antes estava bloqueada. A entidade, então, pagou despesas com dinheiro de outra conta ativa, da Caixa.
O dirigente afirma que, ao fazer o reembolso posteriormente, foram cometidos “erros de atenção, por causa da correria”. Como não houve devolução integral dos valores, alerta para o risco de problemas em pagamentos futuros e falhas na contabilidade. E pede que Jessly providencie um “auditor de qualidade no extrato bancário” para mostrar que o saldo foi zerado. A solução é simples, segundo ele.
“Uma planilha somente basta”, disse.
A conta do Banco do Brasil é utilizada para a CBDA receber verbas dos Correios, da Lei de Incentivo e da Globo. Pela Caixa, chegam os recursos da Lei Agnelo Piva e demais projetos do governo federal. Trata-se de um dinheiro “carimbado”, que não pode ser usado para outro fim que não seja a preparação de atletas. Uma outra, do Bradesco, serve para verba ordinária, como inscrição de campeonatos, mas está bloqueada por problemas da diretoria anterior.
Questionada pelo L! sobre o uso da conta da Caixa, a CBDA disse apenas que “se trata de assunto afeto à gestão, tendo em vista diversas contas ainda estarem bloqueadas”. Não explicou as despesas nem esclareceu se o dinheiro utilizado foi devolvido.
“Tão logo as demonstrações financeiras estejam concluídas e auditadas, serão publicadas conforme prevê o Estatuto e a Lei”, informou.
Outro caso obscuro é a contratação, sem licitação, da empresa do jornalista Julian Romero, antigo aliado de Miguel, como supervisor de TI da CBDA. Em 17 de julho, ele solicitou a uma funcionária dois pagamentos: um de R$ 16 mil e outro de R$ 9.6 mil.
Romero, o supervisor de TI, e o diretor financeiro João Pedro Maya conversam sobre o pagamento do serviço, sem licitação (Reprodução)
Em conversa com Maya, o profissional afirma que a de menor valor é referente a um trabalho independente, discriminado como serviços de “limpeza”. Questionada pelo L! sobre o termo, a CBDA disse que ele “é comum na área de informática”, e “não se usa nenhum produto de higiene, mas algoritmos específicos e softwares específicos para preservar dados”. E que os pagamentos foram feitos com “recursos próprios”.
Em outro trecho, Romero lembra que começou a trabalhar em junho, mas só teve contrato assinado em julho. Maya mostra-se preocupado com a fiscalização, que era promessa de campanha de Miguel.
“A gente pagando você agora sem contrato, o contrato assinado só depois da data de hoje… enfim, é batom na cueca”, afirmou.
Dois dias depois, Maya ainda tranquiliza Romero sobre a aprovação da verba e promete dar um jeito de convencer os auditores dos valores, o que comprova que não houve cotação de preços antes da escolha da empresa contratada.
“Vou pegar mais cotações desse tipo de serviço para mostrar que de fato escolhemos o menor preço”, escreveu o diretor financeiro.
O L! questionou Romero e a CBDA sobre a razão para sua escolha no cargo, a falta de licitação para o serviço e a ausência de contrato no início do trabalho. Ele respondeu ao primeiro contato da reportagem, pelo Facebook, mas, depois, não retornou ao tomar conhecimento dos questionamentos.
A entidade, por sua vez, disse que “o trabalho é de consultoria, desenvolvimento e implementação de sistema sob medida”, e que ele possui contrato. Ignorou o fato de, inicialmente, Julian não ter vínculo.
CBDA paga passagem ao Canadá para aliado
Os serviços de Julian Romero como supervisor de TI da CBDA não lhe garantem somente uma boa quantia em dinheiro. E-mails mostram que a entidade arcou até com passagem aérea para Montreal, no Canadá, país onde ele já morou.
No dia 10 de julho, o assessor de patrimônio administrativo da CBDA, Claudio Nascimento, pediu ao gerente de vendas e operações da agência LCA Viagens, Fabiano Sanches, que providenciasse um bilhete só de ida para Romero, com data para 15 de julho. Assim foi feito.
“O Julian tem trabalhado muito aqui, ele merece”, diz Nascimento, no e-mail.
A passagem pela American Airlines, comprada logo no dia seguinte, custou U$ 1.002,00 (R$ 3.156,30), mais taxas de U$ 99,00 (R$ 311,00).
Questionada pelo LANCE! sobre o motivo da compra, a CBDA afirmou que ela ocorreu “pela necessidade de implementação do novo sistema”. E que não foi utilizado dinheiro público.
Os gastos com pessoas próximas do presidente Miguel Cagnoni acontecem semanas após a diretoria promover uma série de demissões sem pagar todos os direitos trabalhistas, sob alegação de corte de despesas em tempos de crise.
A transparência na gestão foi uma das principais bandeiras do presidente na campanha que o elegeu em junho, sem o reconhecimento da Federação Internacional de Natação (Fina).
Apesar dos atos recentes, a CBDA diz que vem trabalhando para evitar os problemas da administração anterior, com um departamento de compliance “em pleno funcionamento e com vários projetos em andamento”.
Outras medidas citadas foram a proposta de um código de ética para análise da Assembleia Geral, a implementação de uma ouvidoria a composição de um comitê de ética e integridade.
CBDA contraria ordem da Fina
A CBDA descartou promover novas eleições presidenciais e atender à ordem da Fina durante a Assembleia Geral Extraordinária marcada para esta terça-feira, às 14h, no Rio de Janeiro, para alteração do estatuto.
Na última segunda-feira, o L! publicou carta da entidade máxima cobrando novo pleito, pois o anterior, que elegeu Cagnoni, incluiu votos de clubes e atletas, fora do que o regulamento prevê. O país pode até ser suspenso.
“A diretoria eleita entende que não é necessário um novo pleito, já que seguiu as leis brasileiras e a determinação da Justiça”, informou a entidade, em comunicado.