Como é viver numa cidade sem agência bancária

Publicado em: 18/07/2018

Depois do terror, a realidade. A cidade de Surubim, no Agreste, a 119 quilômetros do Recife, passou pelo trauma de ter agências bancárias explodidas por ação violenta dos bandidos. Foi na última terça-feira (10), quando cerca de 50 homens, armados e encapuzados, investiram de madrugada contra quatro, das cinco agências bancárias da cidade. Passado o pânico, ficam os transtornos para os moradores e o prejuízo para o comércio. Com os bancos fora de operação, a vida nas cidades do interior muda bastante.

É o caso de Riacho da Almas, pequena cidade do Agreste, vizinha a Surubim, e distante 136 quilômetros do Recife. Há quase três anos, o Banco do Brasil, única agência bancária da cidade, fechou as portas, depois de ter o cofre explodido em um assalto violento que destruiu parte do prédio onde a agência funcionava. O banco já havia sofrido outros ataques com explosivos. O prefeito de Riacho da Almas, Mário Mota (PSB), conta que esteve por três vezes na Superintendência do Banco do Brasil no Recife, e uma vez na sede, em Brasília, tentando fazer com que o Banco do Brasil não deixasse a cidade. A maior parte dos 3.204 aposentados, pensionistas e beneficiários do INSS residentes no município recebiam seus pagamentos na agência. Os 700 funcionários da Prefeitura também eram pagos por lá.

O banco concordou apenas em colocar em operação um posto de atendimento, em substituição à agência. Mario Mota conta que cedeu uma das salas da prefeitura. “Reformamos o local e entregamos as chaves. O banco levou seis meses para se instalar. Depois de aberto, o posto só funcionou dois meses”, lamentou o prefeito. Todas as contas foram transferidas para o BB de Caruaru, a 22 quilômetros de Riacho das Almas. O resultado pôde ser visto no comércio da cidade. Hoje, Riacho das Almas conta apenas com um miniposto do Bradesco com um caixa eletrônico, e uma casa lotérica e três correspondentes bancários onde podem ser feitos pagamentos de contas e boletos de até, no máximo, R$ 1 mil.

AGÊNCIA BANCÁRIA

Luiz Filipe Melo, dono da Panificadora São Severino, afirmou que o movimento no comércio nunca mais foi o mesmo. “Caiu uns 40%. Alguns comerciantes novos, gente que abriu lanchonete, restaurante… fechou as portas. Ficaram os mais antigos, que tem empresa familiar ou não pagam aluguel”. Filipe explica ainda que o dinheiro deixou de circular na cidade porque boa parte da população, de 20 mil habitantes, segundo o IBGE, mora na Zona Rural. “Esse povo antes recebia o dinheiro na cidade e gastava aqui mesmo. Agora, como precisam ir para Caruaru, fazem as compras por lá e nem entram mais em Riacho”, diz Filipe.

Para não ter que se deslocar até Caruaru, a aposentada Jalva Maria da Silva, 70 anos, transferiu a aposentadoria dela do Banco do Brasil para o Bradesco. Ela passou a receber o salário através de um lojista que funciona como correspondente bancário na cidade. Mas o que deveria facilitar a vida da aposentada se transformou em outro transtorno. “Eu só posso receber se o dono da loja tiver dinheiro no caixa dele pra pagar. Então eu tenho que esperar que ele apure o suficiente para fazer os pagamentos. Ás vezes preciso voltar durante vários dias até receber”, queixa-se a aposentada.

NÚMEROS

Somente este ano, o Sindicato dos Bancários de Pernambuco contabiliza 103 ataques a instituições bancárias em 25 municípios (veja mapa). Em 2017 foram 185 investidas. O levantamento inclui ainda assaltos a carros-forte, arrombamentos e estelionato. O Agreste é a região onde os bandidos mais atuam. Foram 46 ocorrências este ano (até 11 de julho). É exatamente o dobro do registrado no Sertão e na Região Metropolitana do Recife (23 ocorrências cada). Os bandidos não fazem distinção entre bancos públicos ou privados mas, segundo os números fornecidos pelo Sindicato dos Bancários, o Banco do Brasil é o segundo em investidas de bandidos, com 22 ataques este ano, ficando atrás apenas do Bradesco, com 23 ocorrências. No caso do Banco do Brasil, as consequências sociais são mais impactantes pois o banco detém a conta de grande número de aposentados e funcionários públicos.

O Banco do Brasil informou, através de nota, que teve várias agências comprometidas em razão das ações criminosas ao longo dos últimos anos, inclusive as que estavam em fase final de obras de recomposição. “Esses eventos têm levado a contingenciamentos, suspensão temporária ou mesmo definitiva do atendimento em alguns municípios do país”, diz o comunicado. A assessoria de imprensa do banco comunicou ainda que, em Pernambuco, ocorreram 103 ataques em dependências da instituição desde maio do ano passado. Sem especificar números ou locais, o texto diz que “várias delas já estão em recomposição e muitas concluídas”. Em relação aos clientes de Riacho das Almas, o BB informou que eles contam com canais alternativos de autoatendimento, como o site www.bb.com.br, o aplicativo para utilização em celulares e tablets, casas lotéricas, Banco Postal e a rede de correspondentes, esses últimos para saques e consulta a saldos e extratos, recebimento de benefício (apenas no correspondente Mais BB) e pagamento de contas.

JUSTIÇA

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a Defensoria Pública do Estado têm atuado para amenizar os estragos econômicos e sociais provocados pelo fechamento de agências no interior. Os órgãos promovem reuniões entre representantes dos bancos e prefeituras, onde são fechados acordos através de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), ou, em último caso, com abertura de ações civis públicas. As decisões, dadas pela Justiça em caráter liminar, estão sujeitas a recursos que, na prática, acabam adiando a reabertura das agências.

O subdefensor geral da Defensoria Pública, Henrique Seixas diz que o órgão analisa a situação de cada cidade e, quando constata que não foram oferecidas alternativas para atendimento da população, é feita a ação na Justiça. “Se não me engano fizemos 11 ações. Em Macaparana, Poção e Orocó houve a decisão de reabertura”. Henrique Seixas explica que as ações pedem a reabertura das agências mas os serviços que serão ofertados dependem da realidade de cada localidade. “No caso de Surubim, por exemplo, vamos analisar se houve prejuízo de movimentação financeira. Claro, os prejuízos para a economia local já existem, mas precisamos ver se há alternativas como, por exemplo, outro banco que possa suprir as necessidades ou oferta de correspondentes bancários. Não adianta fazer de imediato porque ela não reflete a realidade”, concluiu Seixas.

A Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, do MPPE, Liliane Rocha, diz que a questão é complexa. “É preciso haver um pacto, pois a solução envolve vários atores. É preciso sentar e conversar, a judicialização é o último recurso, embora o Ministério Público tenha movido ações neste sentido”, explica. Através das ações do MPPE foram determinadas as reaberturas de agências em Vertentes, Santa Maria do Cambucá e Petrolândia, mas ainda cabem recursos. Liliane Rocha disse ainda que o MPPE vai cobrar dos bancos o cumprimento da lei 13.654 de 23/04/2018, que obriga as instituições financeiras a instalarem equipamentos que inutilizam com tinta as cédulas dos caixas eletrônicos em caso de explosão ou arrombamento. A promotora diz que desde 2011 o órgão tem ação contra os bancos do Estado pelo cumprimento de normas de segurança. “É importante que a população denuncie as dificuldades para dar mais legitimidade as ações dos órgãos de defesa do consumidor”, diz a promotora. O MPPE informou através da assessoria que também participa do Pacto Pela Vida e fiscaliza a política de segurança pública do Estado.

Fonte: Portal JC Online