Ser banqueiro já foi mais fácil no Brasil. É claro que os lucros bilionários ainda estão nos balanços e, nem de longe, se avistam riscos sérios para o sistema. Mas, o fato é que os bancos brasileiros terão de suar muito mais, se quiserem manter o nível de lucro da última década. E, mesmo assim, talvez não consigam.
A avaliação é da Fitch. Em um relatório sobre as perspectivas dos bancos latino-americanos, a agência de classificação de riscos não encontrou motivos para otimismo em 2020. Justiça seja feita, há países com cenários bem piores.
Os bancos da Argentina, Chile, Costa Rica e México tiveram os ratings rebaixados para negativo, devido a questões que vão do acirramento de protestos políticos a incertezas econômicas e mercado de trabalho anêmico.
Perrengues
Diante disso, o rating “estável” conferido ao Brasil é um alento, mas não livra o sistema bancário local de seus próprios desafios. Segundo a agência, o país continua sofrendo com as dúvidas sobre a agenda do governo Jair Bolsonaro e, sobretudo, com sua capacidade de implementá-la.
A aprovação da reforma da Previdência melhorou o humor dos observadores, ao lado da inflação sob controle e dos cortes na Selic. Mas, para quem vive de juros, ver a taxa básica cair impõe alguns problemas, e é isso que preocupa a Fitch.
Segundo a agência, 2020 trará, pelo menos, três pedras no sapato dos bancos verde-amarelos.
1. Juros estruturalmente baixos
A significativa queda da Selic (hoje, em 4,5% ao ano) tornará os bancos mais dependentes da expansão da carteira de crédito, do que da rentabilidade por operação, segundo a Fitch. O problema, aqui, é que o crescimento das operações seguirá um ritmo menor que o da década passada, de acordo com a agência.
“Portanto, os investimentos em tecnologia e a reestrutura dos negócios, devido à competição e a demanda dos clientes por produtos mais sofisticados e novos canais de distribuição, serão os mais prováveis apoios contra a pressão sobre o lucro líquido”, afirma.
2. Pressão para aumentar os gastos
A pressão para elevar gastos em geral não dará trégua para os bancos, tanto públicos, quanto privados. De um lado, as pequenas e médias instituições gastam mais do que a média, quando comparadas às grandes, para reestruturar suas áreas de tecnologia, marketing e atrair pessoas qualificadas.
Já os bancões colocaram a mão no bolso para arcar com o fechamento de agências e planos de demissão voluntária neste ano e em 2018. Por fim, os bancos públicos tentam seguir os concorrentes privados, reestruturando áreas, demitindo pessoal e reduzindo subsídios ao crédito.
Tudo isso custa dinheiro – e continuará custando. “A Fitch espera que essas pressões de gastos continuem em 2020”, afirma o relatório da agência.
3. Maior exposição aos pequenos clientes
Os bancos não poderão contar com os lucros gerados por empréstimos a grandes empresas privadas, se quiserem manter ou expandir seus resultados no ano que vem. O motivo é que, cada vez mais, as maiores corporações optarão por levantar recursos no mercado de capitais, emitindo ações e outros títulos.
Assim, os bancos ficarão mais dependentes das operações com pessoas físicas (sim, nós, pobres mortais) e com micro, pequenas e médias empresas. Há duas desvantagens nessa situação, segundo a Fitch.
A primeira é que é mais caro captar e manter esse tipo de cliente, o que apenas reforça a necessidade de investimentos em tecnologia, infraestrutura para conquistar e reter clientes. A segunda é que esses segmentos apresentam inadimplência historicamente maior.
“Uma investida mais intensa dos bancos privados no mercado de varejo contribuirá para o aumento nos NPLs [Non Performing Loans, os empréstimos em atraso], mas não para níveis alarmantes”, estima a Fitch.