As conversas em torno de uma eventual abertura de capital da bandeira de cartões Elo estão interditadas diante da falta de convergência dos sócios em uma mesma direção, apurou o Broadcast. A Caixa Econômica Federal e o Bradesco são favoráveis, mas uma mudança prevista para ocorrer em breve na composição acionária do negócio coloca o Banco do Brasil na ponta contrária, dizem três fontes, na condição de anonimato.
Fundada em 2011 como uma rival para as gigantes norte-americanas Mastercard e Visa, a bandeira é controlada por uma holding – a Elopar – que tem o Bradesco, com 50,01% do capital, e o BB, com 49,99%, como sócios. A EloPar possui 56,96% da Elo, enquanto o Bradesco tem outros 6,14% e a Caixa detém uma fatia de 36,88%.
No entanto, essa distribuição vai mudar na virada do ano. É quando vence o acordo de acionistas selado entre os sócios, segundo quatro fontes ouvidas pelo Broadcast. No contrato, há uma cláusula que vincula o tamanho da participação de cada um ao volume de negócios gerado até aqui.
Neste rebalanceamento, a Caixa deve ganhar participação enquanto o Bradesco e o BB devem ver sua fatia se reduzir. Essa mudança seria um dos principais motivos que estaria atrasando as conversas para um IPO da Elo, com cada sócio pesando os seus interesses. O Bradesco já teria acatado, diz uma fonte próxima às conversas. No entanto, o BB não concorda, porque não quer perder dinheiro em um futuro IPO por ter tido sua fatia reduzida na sociedade. “Está em contrato. Faz parte do jogo. Não tem o que fazer”, diz a fonte.
A Caixa vem crescendo o volume de negócios em cartões desde 2019, quando acrescentou cerca de R$ 30 bilhões à base. Neste ano, também teve o impulso extra do pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia, quando abriu mais de 100 milhões de contas em seu ‘banco digital’ – que também quer levar à bolsa. Com a emissão de milhões de cartões de débito da Elo para que os beneficiários acessassem os recursos, somente no débito, o salto no volume financeiro foi de mais de R$ 65 bilhões no acumulado até setembro ante um ano, para R$ 181,5 bilhões. Como consequência, sua fatia na bandeira também deve aumentar.
A Elo soma hoje mais de 180 milhões de cartões emitidos por mais de 30 emissores, o que lhe dá uma fatia de 15% do mercado brasileiro, que tem Mastercard na liderança, seguida pela Visa. Em um ano, o crescimento é visível. Em novembro de 2019, a base de cartões da Elo era de 130 milhões, com mais de 20 emissores.
Além disso, a Caixa sempre defendeu o IPO da Elo e tem puxado o coro desde o início do ano, quando o Bradesco ainda não era favorável à ideia. O movimento casa com a agenda de desinvestimentos da atual gestão – e também do governo. Desde que assumiu a presidência da Caixa, Pedro Guimarães seguiu à risca a cartilha do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desinflar os bancos públicos. Há ainda sua presença frequente ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro, cujos olhos apontam para 2022.
Do lado do Bradesco, o sinal enviado, relata uma fonte, é de que o banco é “absolutamente favorável” ao IPO da Elo. A instituição não tem um histórico de venda de ativos, mas tem demonstrado “boa vontade”, conforme fontes, em avaliar a listagem do negócio, considerando a revolução no setor de meios de pagamentos com um cenário mais desafiador para os grandes bancos no Brasil.
Vale lembrar que o recém-chegado Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, ameaça o cartão de débito no médio prazo. A modalidade tem peso relevante na base da bandeira Elo, embora esse dado não seja público. Nesse sentido, quanto antes for feita a oferta, melhor seria a precificação do ativo. “Os sócios poderiam aproveitar esse momento e evitar um receio maior com o Pix, eventualmente”, sugere um analista do setor, que prefere não ter seu nome revelado.
Na outra ponta, o Banco do Brasil acaba de trocar de presidência, e pesa a perda de dinheiro com o IPO da Elo por conta do rebalanceamento das participações acionárias, afirmam fontes. Egresso do HSBC, André Brandão substituiu o economista Rubem Novaes há menos de três meses. Desde então, tem tomado pé da situação. Fontes próximas ao banco dizem que o executivo é favorável ao mercado de capitais, dada sua carreira construída em banco de atacado. Justificam que Brandão, há menos de três meses no posto, quer antes entender melhor o racional do negócio.
Desde que chegou, Brandão transportou seu estilo discreto à agenda de desinvestimentos do banco. É uma postura oposta à do seu antecessor, o economista Rubem Novaes, totalmente favorável à venda de ativos e que defendia a privatização do BB com frequência. Brandão vê sentido na agenda liberal do seu chefe, Paulo Guedes, mas defende o momento certo para uma melhor assertividade no preço, além de uma análise dos ativos que são essenciais para o dia a dia do banco.
Os vários ‘elos’ do mundo de cartões – muitos deles em sociedade com o Bradesco – são um dos principais desafios da gestão de Brandão. “André [Brandão] está super tracionado nos desinvestimentos. Ele só não gosta de falar muito a respeito para fora”, relata uma fonte, na condição de anonimato.
Com a falta de entendimento entre os sócios, um eventual IPO da Elo, antes previsto para o início de 2021, em meados de fevereiro, pode atrasar, conta uma outra fonte próxima às conversas. Na mesa, também se discute onde listar o ativo. Ainda não se sabe o palco escolhido será a B3, no Brasil, ou os Estados Unidos. No radar, estariam tanto a Nasdaq, de ações de tecnologia, ou a Nyse, onde estão listadas as rivais Visa e Mastercard.
A ideia dos sócios da Elo é a de abrir seu capital e futuramente fazer novas ofertas subsequentes, chamadas de follow on no jargão do mercado. Com o ativo precificado na bolsa, é mais fácil, na visão daqueles favoráveis ao movimento, vendê-lo a um investidor estratégico. Essa ideia foi aventada no passado, tendo Visa e Mastercard como possíveis compradores, mas não prosperou.
Procurada, a Elo esclarece que esse é um tema dos seus acionistas e não comentará o assunto. Os sócios Bradesco, Caixa e BB não se pronunciaram a respeito.