O mercado de trabalho pode ser hostil para pessoas negras no Brasil. Essa realidade é ainda mais evidente em determinadas áreas, como no sistema financeiro. Apenas 23,6% das pessoas que trabalham em bancos no país são negras e negros. Esse grupo populacional ocupa somente 4,8% dos cargos de diretoria das instituições financeiras. Os dados são da Rede Bancários do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgados em junho de 2023.
Nesse contexto desafiador, ter um espaço de acolhimento, incidência política e impulsionamento de carreira pode ser essencial para que pessoas negras cresçam no mercado financeiro. É com essa proposta que surge o BB Black Power, um grupo auto-organizado de funcionários negros do Banco do Brasil, o segundo maior banco do país em termos de lucro.
“É um espaço de aquilombamento, mas também de fazer incidência para que o banco crie, de fato, políticas de ações afirmativas de aceleração de carreira de pessoas negras para a instituição, que vão beneficiar toda a sociedade”, explica Kelly Quirino, conselheira do Banco do Brasil e uma das fundadoras do BB Black.
O grupo surgiu em 2017, por meio do WhatsApp, e atualmente conta com cerca de 800 participantes de agências espalhadas por todo o Brasil. Além da incidência política, o coletivo promove cursos, leituras coletivas, palestras de letramento racial interno, mentorias e programas de liderança.
“Estamos conseguindo avançar por conta das cotas, mas ainda temos muitas barreiras internas para ultrapassar. Ainda é muito comum ir em uma agência e não ver gente negra. E quando tem, a pessoa está sozinha. É muito complicado não ter pares para entender o que você passa”, afirma Quirino.
De acordo com o levantamento do Dieese, a remuneração da mulher preta bancária é, em média, 40,6% menor que a do bancário branco.
“Tem muito preconceito. Tem cliente que chega na agência e não quer ser atendido por uma pessoa negra. Que chama o gerente e quando vê que é uma pessoa negra, diz: ‘não é possível que você seja o gerente’. Além do racismo interno. O racismo estrutural anda perfeitamente bem dentro do banco”, aponta Jaqueline Perroud, funcionária da Fundação Banco do Brasil em Brasília e integrante do BB Black desde 2018.
Atualmente, o Banco do Brasil é presidido por Tarciana Medeiros, que se autodeclara negra. É a primeira vez em 216 anos que a presidência é ocupada por uma mulher negra. No ano passado, o banco se comprometeu a alcançar 30% de pretos, pardos, indígenas e outras etnias sub-representadas em cargos de liderança até 2025.
De acordo com a legislação federal, o Banco do Brasil, por ser uma empresa pública de economia mista, é obrigado a reservar pelo menos 30% das vagas do concurso de ingresso para pessoas negras, indígenas e quilombolas.
Para Perroud, aplicar cotas apenas nos processos seletivos não é suficiente. Ela defende que haja reserva de vagas também nos cargos de gerência, que são ocupados por indicação.
“Capacitação nós [pessoas negras] temos, e muita. Resultados também. Nós poderíamos ocupar qualquer cargo, só que isso não vai ser o suficiente porque não nos dão oportunidade”, afirma Perroud.
Subgrupos e encontros nacionais
Além do grupo nacional, o BB Black Power tem se organizado em subgrupos regionais e de temáticas específicas, como a masculinidade negra e a religião.
No ano passado, aconteceu o primeiro encontro nacional do grupo, no Rio de Janeiro. Neste final de semana, será o segundo encontro, desta vez em Salvador. “Nós escolhemos essas cidades pela parte histórica e a representatividade que esses dois locais têm. Estamos bem felizes e animados”, diz Perroud.
Este ano, o encontro será focado no tema dos desafios do povo negro no mercado financeiro.