A possibilidade de o governo de Jair Bolsonaro elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras para bancar uma parte da reforma da Previdência pode não ter impacto na arrecadação de impostos nos primeiros anos e, de quebra, permitir que os grandes bancos se protejam de eventual recuperação judicial da Odebrecht.
A brecha se abre uma vez que, a partir do aumento da alíquota de 15% para 20%, o saldo de créditos tributários dessas instituições, oriundo principalmente de provisões para perdas, as chamadas PDDs, é recalculado com base no novo valor e também sobe, podendo gerar um resultado extra de mais de R$ 18 bilhões.
Apesar de o aumento do imposto aos bancos ser interpretado como uma penalidade ao setor por parte da sociedade, essas instituições conseguem compensá-lo de várias maneiras. Podem se valer de benefícios fiscais, como os créditos tributários, ou então repassar aos consumidores, elevando os spreads bancários.
Os créditos tributários funcionam como “milhas aéreas” que os bancos podem usar para quitar tributos futuros ao longo do tempo, caso as perdas com crédito sejam confirmadas. De acordo com o diretor de renda variável da casa independente de análise financeira Eleven, Carlos Daltozo, o aumento da CSLL de 15% para 20% deve elevar o estoque desses créditos em mais de R$ 18 bilhões.
O mais beneficiado deve ser o Bradesco, que tem um saldo maior de créditos tributários, com um efeito de R$ 6 bilhões. Em seguida, aparecem Banco do Brasil, com R$ 5,3 bilhões, Itaú Unibanco, com R$ 4,2 bilhões, e, por fim, Santander Brasil, com R$ 3,1 bilhões.
“Esse efeito, muito provavelmente, vai transitar pelo lucro dos bancos neste ano, pois, diferentemente de 2015, não faz sentido para os bancos constituírem provisões adicionais no contexto atual”, avalia Daltozo. Ou seja, ao elevar a alíquota da CSLL, cresce o estoque de crédito tributário dos bancos, que podem utilizá-lo para compensar eventuais perdas com financiamentos ao longo do ano, sem incrementar provisões.
Até por isso, lembra o especialista, outra opção é os bancos aproveitarem para amortecer o impacto de possíveis perdas com casos específicos de grandes clientes, como a Odebrecht, por exemplo. Esperado para hoje, o pedido de recuperação judicial do grupo ainda não foi comunicado aos credores, mas tende a pesar para as grandes instituições. A dívida da Odebrecht com os bancos é da ordem de R$ 80 bilhões, o que configura o maior caso de reestruturação de dívida na Justiça do País.
Além disso, considerando o volume de créditos tributários que os bancos consomem por ano, a cifra extra com o aumento da CSLL seria suficiente para que as instituições fizessem frente ao novo imposto no primeiro e segundo anos. Ou seja, na prática, o aumento da alíquota só resultaria em desembolso efetivo das instituições financeiras aos cofres públicos a partir do terceiro ano em vigor.
Não é à toa que a sugestão feita pelo relator da reforma da previdência no Congresso, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), em relatório sobre a proposta, desagradou ao ministro da Economia, Paulo Guedes. O aumento da CSLL está sendo cogitado no momento para compensar parte da perda de economia com a retirada de pontos da proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo. Seja como for, os bancos devem fazer lobby para manter no patamar atual, de acordo com o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari. O executivo negou, contudo, que haja uma mobilização do segmento para barrar um eventual aumento. “Temos disposição em colaborar, como já fizemos no passado”, afirmou ele a jornalistas, durante evento do segmento, na semana passada.
No passado, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff também elevou a alíquota de 15% para 20% como uma forma de fazer o setor bancário pagar um “pedágio” pelos altos lucros. Na ocasião, os grandes bancos recalcularam todo o seu estoque de créditos tributários levando em conta a nova CSLL e, para não divulgar um lucro monstruoso na época, destinaram esses recursos para as chamadas PDDs complementares, colchão adicional às regras do Banco Central. Na ocasião, diante dos problemas com crédito que já surgiam no horizonte, o aumento das PDDs serviu para fortalecer o balanço dos bancos.
O imposto vigorou entre os anos de 2016 e 2018, voltando ao patamar dos 15% no início deste ano. Caso a CSLL seja novamente elevada para 20%, as instituições financeiras terão novamente de recalcular seu estoque de créditos tributários. Quando os bancos constituem provisões para possíveis perdas, calculam o imposto naquele período e adicionam o valor ao estoque dos chamados créditos tributários. Se a alíquota sobe, aumenta a possibilidade de dedução futura e essa diferença tem de ser incluída no saldo desses créditos.
Cenário político
Analistas que cobrem o setor bancário alertam exatamente para a preocupação do ministro da Economia, de o aumento do “pedágio” aos bancos resultar em crédito mais caro aos consumidores. Tito Labarta, Thiago Auzier, Jonathan Uriel Schajnovetz e Ashok Sivamohan, do Goldman Sachs, temem um “efeito cascata”.
“Os bancos podem tentar repassar o ônus adicional aos consumidores, cobrando taxas mais altas para emprestar, o que poderia ocasionar um menor crescimento do volume e impactar a qualidade dos ativos”, avaliam eles, em relatório ao mercado.
Tanto o Goldman Sachs quanto o banco norte-americano Citi projetam em cerca de 7% o impacto no lucro líquido dos bancos por conta da nova CSLL. A projeção não considera, contudo, o uso de créditos tributários para fazer frente à nova alíquota.
Para os analistas Jörg Friedemann e Gabriel Nóbrega, do Citi, chama atenção o fato de o ambiente político estar em rápida mudança. Segundo eles, durante conferência do Citi, na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, garantiu que não via o risco da possível elevação dos impostos sobre os bancos. “No entanto, uma semana depois, parece que as coisas mudaram. Isso significa para nós a rápida mudança de discussões no novo cenário político do Brasil”, concluem eles, em relatório.