Apesar de terem voltado a acelerar no crédito imobiliário, os bancos ainda têm de resolver uma herança deixada pela crise. As cinco maiores instituições financeiras do país – Banco do Brasil (BB), Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Caixa – fecharam 2018 com nada menos que R$ 18,7 bilhões em bens retomados em garantia de empréstimos inadimplentes. Cerca de 90% do valor se refere a imóveis.
O estoque já vinha em escalada desde 2015, mas voltou a dar um salto no ano passado, quando cresceu 32,3%. Em dois anos, o aumento foi de 78%. Nas levas mais recentes, destaca-se a retomada de imóveis de valor mais baixo, muitos deles ligados ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV), operado principalmente pela Caixa.
O tema é um elefante na sala para o setor. Os bens retomados consomem capital dos bancos, que precisam constituir provisões contra perdas com esses ativos – no fim de 2018, as reservas totalizavam R$ 5,8 bilhões. No entanto, com a economia ainda fraca, as instituições não conseguem encontrar compradores para se desfazer dos imóveis rapidamente, nem pretendem fazê-lo. Se inundarem o mercado com uma oferta muito grande, podem minar a recuperação das incorporadoras. As duas maiores do país – MRV e Cyrela – tinham estoque de R$ 13,1 bilhões no fim do ano passado.
Embora não seja um problema novo, os bancos ainda recorrem principalmente a leilões para vender esses bens individualmente, o que limita o alcance das ofertas. Mas aos poucos começam a surgir iniciativas para se desfazer desses ativos em bloco e para melhorar o valor recuperável.
O Bradesco fechou acordo com dois parceiros para lidar com os imóveis recebidos em garantia. Um deles é a Ulbrex Capital, que tem entre os sócios o empresário Claudio Bruni, fundador da BR Properties. A gestora criou fundos para empacotar imóveis retomados pelo banco de incorporadoras inadimplentes. A Ulbrex se encarrega da manutenção, paga IPTU e condomínio e, se necessário, organiza o relançamento dos empreendimentos no mercado.
Os fundos somam R$ 460 milhões e são compostos, em sua maioria, por imóveis residenciais com valor de R$ 200 mil a R$ 400 mil. Há unidades em municípios tão distantes quanto Manaus, Limeira (SP) e Mogi das Cruzes (SP). “Do que entrou, acima de 40% foram vendidos em pouco mais de um ano”, afirma Bruni. “O objetivo é andar rápido.”
O vice-presidente de varejo do Bradesco, Eurico Fabri, disse, numa entrevista concedida no fim do ano passado, que a instituição vinha conseguindo vender os imóveis a 95% do valor de mercado na parceria com a Ulbrex.
O outro parceiro do Bradesco é a Enforce, empresa de recuperação de créditos do BTG Pactual, conforme apurou o Valor. Para ela, o banco tem destinado imóveis retomados de pessoas físicas e considerados “problemáticos”. Entram aí unidades com documentação incompleta ou irregular, moradias invadidas ou ocupadas, entre outras questões.
No fim de 2018, a Enforce já havia assumido R$ 200 milhões em imóveis do Bradesco, e a expectativa era chegar a R$ 1 bilhão. Na parceria, os dois bancos dividem riscos, custos e lucros, e a empresa do BTG entra com a tecnologia de recuperação, segundo fonte a par do negócio. Procurados, Bradesco e Enforce não comentaram o assunto.
Maior banco de crédito habitacional do país, a Caixa também busca soluções para se desfazer de um estoque de 62,9 mil imóveis, dos quais 29,5 mil entraram no balanço ao longo de 2018. Um dos caminhos em estudo é oferecer a investidores institucionais lotes de imóveis com características em comum. Segundo uma fonte do setor, a Caixa planeja fazer um leilão de unidades consideradas complexas – não residenciais ou com algum tipo de problema – que tendem a ser mais atrativas para gestores.
No ano passado, a instituição fez uma tentativa fracassada de leiloar 6 mil imóveis no atacado. Mas o desconto de 30% oferecido pelo banco foi considerado pouco atrativo, e também desagradou os investidores o fato de que foram empacotados em conjunto ativos muito diferentes.
Hoje, o leilão de unidades para pessoas físicas ainda é o principal instrumento usado pela Caixa para se desfazer desses bens, mas o próprio banco reconhece que o canal é insuficiente para um estoque tão grande. “Os editais precisam ser públicos e geralmente são afixados nas agências” afirma o vice-presidente de habitação, Jair Mahl.
Boa parte dos imóveis assumidos pela Caixa veio do MCMV, destinado à população de baixa renda. Encontrar compradores individualmente não é tarefa simples.
O programa habitacional também é a origem de mais de 80% dos 1,9 mil imóveis que o Banco do Brasil tinha no fim do ano passado. “É um público muito sensível a preço”, afirma Gustavo Lellis, executivo da diretoria de suprimentos, infraestrutura e patrimônio.
Com dificuldades para se desfazer desses bens, o BB adotou uma nova política de preços nos leilões, voltados a pessoas físicas. A partir da segunda metade de 2018, os imóveis começaram a ser oferecidos com descontos de até 50%. Antes, a política era vendê-los num patamar próximo ao valor de mercado, mas a adesão era muito baixa. Com a mudança, a expectativa é que haja uma melhora, apesar de o mercado imobiliário ainda não mostrar uma reação tão forte.
O Santander optou pela criação de um canal próprio para vender seus imóveis. O site se assemelha ao de uma imobiliária, e oferece unidades com descontos de 20% a 70% em relação ao preço de mercado. Mais da metade das ofertas se refere a imóveis avaliados em até R$ 250 mil. “O resultado foi muito positivo tanto no compromisso que tínhamos quanto em relação a vendas”, diz Fábio Gusmão, superintendente de patrimônio do banco.
Outra estratégia que as instituições vêm adotando é agir antes de chegar ao ponto de tomar o bem em garantia. De acordo com uma fonte, o Itaú tem procurado se antecipar nas renegociações com clientes quando nota uma deterioração do crédito, tentando evitar que o imóvel vá para o balanço. O banco também começa a fazer vendas de imóveis em bloco a gestoras, enquanto continua promovendo leilões de unidades. Procurado, o Itaú não se manifestou.
Depois de anos em queda, o crédito imobiliário ensaia uma recuperação. Em 2018, a carteira dos cinco grandes bancos cresceu 2,64%, para R$ 645,6 bilhões. A melhora está concentrada nas operações com pessoas físicas. As instituições continuam restritivas no financiamento a incorporadoras.
Apesar da melhora, os bancos continuam retomando um grande volume de imóveis por causa de financiamentos que deixaram de ser pagos anos atrás. O processo de retomada das garantias é lento, o que significa que uma limpeza dessas carteiras também será demorada. “Uma melhora mais forte do mercado depende mais da recuperação da economia que do setor imobiliário”, diz Lellis, do BB.