Desde as capitanias hereditárias, a terra foi o principal meio de produção e de acumulação de riqueza no Brasil, nas culturas de cana de açúcar e café, e na mineração do ouro. Quase tudo com mão de obra negra, escrava, sem acesso à terra, como os imigrantes europeus que, enquanto a escravidão era extinta por etapas vieram com as famílias para cultivar o café nas ricas terras roxas do planalto paulista e do Paraná em regime de terça ou parceria. A falta de acesso ao meio de produção da época (e depois à educação) ajuda a explicar a posição da população negra na base sócio-econômica.
O Brasil foi o penúltimo país a abolir a escravidão e 130 anos após o fim desta chaga a terra continua a ser fator de acumulação de riqueza e de concentração de renda, estimulada pela política oficial de crédito. Quem quiser comprovar, basta pesquisar o balanço trimestral do Banco do Brasil, divulgado esta semana. O BB é o banco do agronegócios, fornecendo. 59% do crédito para o setor, como caudatário de recursos especiais do Tesouro Nacional – o famoso Plano Safra citado no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma.
No primeiro trimestre de 2018, as operações de crédito rural somavam R$ 161,888 bilhões, aumento de 6,3% sobre igual período de 2017. No período, enquanto a inflação acumulou 2,68%, as operações com pessoas jurídicas encolheram 7,3% e os empréstimos a pessoas físicas cresceram 2,8%, a fatia da agropecuária avançou de 24% para 25,9% do total emprestado pelo BB.
Seria ótimo se as operações tivessem ajudado a produzir a maior safra da história e a derrubar os preços dos alimentos e a inflação abaixo de 3%. Isso foi na safra 2016/17 (nas lavouras de soja, milho, feijão, arroz, trigo, algodão, a safra é plantada no segundo semestre e colhida no ano seguinte). A safra de 2017/18 será pouco menor que a do ano anterior.
Mas, na soja, algumas consultorias, como a Céleres, estimam produção ainda maior, de 117,8 milhões. A continuar a expansão da área plantada e da produtividade, na próxima safra o Brasil poderia superar, pela primeira vez, os Estados Unidos como maior produtor mundial do grão. O Brasil já exporta mais que os EUA, que tem grande consumo interno (com 326 milhões de habitantes contra 208 milhões do Brasil, segundo as projeções do IBGE.
Crédito para quem tem mais terras
A divisão dos créditos à agropecuária pelo Banco do Brasil no primeiro trimestre de 2018 é surpreendente. O setor que mais recebeu créditos (21,9% do total) foi a bovinocultura (14,3% para a pecuária de carne e 7,6% para a produção de leite). No primeiro caso, em grandes áreas de terras que exploram áreas onde as florestas foram derrubadas (Centro-Oeste e Sul da Amazônia). Em seguida, vêm os financiamentos a compra de máquinas e implementos agrícolas (sobretudo colheitadeiras de soja, milho e algodão), além de silos para armazenagem da safra, tratores e equipamentos de ordenha. A soja recebe 11% dos créditos, seguido do milho (plantado na mesma área após a colheita da soja). Ou seja mais da metade do crédito (54,4%) vai para grandes latifundiários que dão as terras como garantia dos créditos.
A concentração bancária contribui para agravar a concentração de renda no campo. Apesar da supersafra e dos juros baixos, a inadimplência do setor chegou a R$ 1,096 bilhão em março de 2018. Um aumento de 80,85% em 12 meses. Para variar, o setor espeta mais um calote na virada de governo.