Os maiores bancos brasileiros desenvolvem uma série de iniciativas socioambientais em favor da transição climática, mas as ações implementadas ainda estão longe de ser suficientes dado o peso que desempenham na economia e a urgência do tema, segundo um estudo do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) feito em parceria com organizações ambientalistas e do terceiro setor.
De acordo com o relatório, cuja metodologia é contestada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os bancos avançaram em temas operacionais, como igualdade de gênero, proteção ao consumidor, remuneração e inclusão financeira. Por outro lado, ainda precisam ampliar escopo em políticas setoriais, com ações voltadas à gestão de investimentos próprios e de terceiros — com compromissos relacionados ao enfrentamento às mudanças climáticas — e criação de política de redução de uso de agrotóxico no financiamento da agropecuária.
No estudo, com base nos compromissos públicos assumidos pelas oito maiores instituições financeiras do país com notas que vão de 0 (bancos que não pontuam em nenhum dos temas, elementos e categorias) a 10 (pontuam em todos), os bancos brasileiros tiraram nota 3,3 em práticas para combater as mudanças climáticas, uma queda em relação à edição anterior, quando a média geral ficou em 3,8.
Em alguns temas, os bancos apresentaram novas políticas, como em relação ao tema de armas e mudanças climáticas, que subiram de posição no ranking. As notas na média geral ainda assim caíram porque, com a mudança da metodologia, é preciso que em temas onde os bancos pontuavam automaticamente pela legislação brasileira, as instituições tenham diretrizes próprias.
“O que a gente observa é que em temas operacionais, mais relacionados à atividade interna dos próprios bancos, como proteção ao consumidor, remuneração e inclusão financeira, eles costumam ter uma nota melhor. Tem evoluído em relação às políticas que estão públicas, como avalia a metodologia”, pontua. No entanto, o mesmo não acontece nas políticas setoriais, como armas e alimentação, aponta Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo sustentável do Idec. “No tema de alimentos, por exemplo, nenhum banco tem política de redução de uso de agrotóxico no financiamento da agropecuária”, finaliza.
Além disso, segundo o relatório, enquanto os compromissos em relação ao fornecimento de crédito tendem a ser mais rigorosos em relação às questões climáticas, as carteiras de investimento (investimentos próprios e de terceiros) seguem o caminho contrário e falham em critérios rigorosos.
Os dados são da 10ª edição do Guia dos Bancos Responsáveis, realizado pelo Idec em parceria com o Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz, Oxfam Brasil e Proteção Animal Mundial, todas entidades da organização civil. É utilizada uma metodologia elaborada pela Fair Finance International (FFI), rede de entidades civis que atua pela transformação dos sistemas financeiros globais, e pela Profundo, consultoria de sustentabilidade sediada nos Países Baixos.
O estudo analisou documentos públicos do Banco do Brasil, BNDES, Bradesco, BTG Pactual, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Safra e Santander Brasil que, juntos, segundo o levantamento, concentram 71,7% dos ativos do sistema bancário no país.
Foram avaliados 18 temas socioambientais e climáticos tanto em relação à operação interna do banco, quanto para quatro categorias de serviços financeiros: créditos corporativos, financiamento de projetos, gestão de recursos próprios e gestão de recursos de terceiros.
Temas transversais: bem-estar animal, mudanças climáticas, corrupção, igualdade de gênero, direitos humanos, direitos trabalhistas, meio Ambiente e impostos;
Temas setoriais: armas, alimentos, florestas, mineração, óleo e gás, geração de energia;
Temas operacionais: proteção ao consumidor, inclusão financeira, remuneração e transparência e prestação de contas.
Segundo o relatório, apenas 33% dos elementos avaliados foram encontrados nos documentos públicos das instituições. Além disso, das oito instituições avaliadas, o Banco do Brasil foi o único que melhorou de nota em relação à edição anterior. Isso se deve, aponta o estudo, pela mudança na metodologia aplicada, com a retirada de pontos automáticos nos temas em que o Brasil possui legislação. Isso não significa que as instituições tenham reduzido os seus compromissos, mas que falham em detalhar diretrizes, que, “embora estejam previstas em lei, deveriam ser reforçadas em suas políticas”, diz o relatório.
“Para elementos que existem na legislação do país, se tem garantia de que a legislação é cumprida, o banco poderia pontuar automaticamente e esses pontos eram aplicados até então. Em um contexto que não tem a garantia de que a lei é cumprida, como a gente entende que é o caso do Brasil em alguns temas, a gente não concede o ponto e espera que o banco explicite na política que aquele é um direito que ele garante. São compromissos explicitamente assumidos”, diz Catão.
Sonia Consiglio, especialista em sustentabilidade e SDG Pioneer pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), pondera que há dois impactos com a mudança: as notas caem já que, havendo medida regulatória no país, as instituições não criam diretrizes próprias sobre determinados temas porque obedecem à legislação. Por outro lado, diz ela, eleva o padrão.
“Terem tirado coisas que já são regulatórias, de ‘eu vou pontuar porque é obrigação do banco fazer’ é uma definição interessante porque você está subindo a régua, como ‘eu quero que você vá além da legislação”, destaca.,
Consiglio, que tem uma vasta atuação em ESG em bancos, ressalta, porém, que, apesar do resultado da pesquisa, as instituições brasileiras já possuem uma atuação de ponta sobre o tema e que os bancos reconhecem “a responsabilidade como um agente que concede financiamento e que é corresponsável pelo crédito fornecido”. Além disso, pondera que “existem desafios mundiais que podem frear um avanço mais rápido sobre as pautas”.
“Não é assim só os bancos. Não estamos em um momento favorável para isso. Eu acho que o compromisso existe. O mais importante na minha opinião é definir o objetivo final. Se a gente concorda com o objetivo”, afirma
Segundo o relatório, um dos temas impactados pela retirada dos pontos de legislação foi o meio ambiente, o que mostra que os bancos “não possuem políticas próprias sobre questões importantes relacionadas à natureza”. O tema caiu da 5ª para a 8ª posição. Contrário a isso, porém, foi a primeira vez que uma instituição pontuou no tema de bem-estar animal, que foi pontuado pela primeira vez no estudo pelo BTG Pactual, comenta Catão. “É um tema que quase nenhum banco tem política ou, se tem, não é publicizado”.
Desinvestimento em setores críticos
Em relação ao “desinvestimento” em setores críticos, como mineração, exploração de carvão mineral, térmico, petróleo e gás, mesmo que quase todos os bancos tenham tido redução nas notas sobre o tema, a maioria têm adotado medidas de desinvestimento no setor de combustíveis fósseis, que possui impactos ao meio ambiente e à saúde humana respiratória com emissões de gases poluentes em suas queimas, de acordo com o relatório.
O estudo também aponta que a chamada estratégia de phase-out, ou eliminação progressiva, ainda não é adotada pelo Safra, BTG e Caixa. As outras instituições possuem políticas de exclusão e estratégias de phase out gradual. Para Catão, é preciso que os bancos apresentem um plano de transição “de fato comprometido com o desfinanciamento de determinados setores”.
Por outro lado, a maior parte das instituições avaliadas aplicam essas políticas apenas para seus financiamentos, com exceção do Banco do Brasil e do Itaú, que aplicam políticas restritivas para seus investimentos próprios no setor de carvão mineral e térmico, aponta o documento.
Nesse sentido, Consiglio pondera que é preciso ampliar a análise para um contexto mundial para entender o resultado, uma vez que a geopolítica influencia diretamente o avanço de questões relacionadas ao meio ambiente. Um exemplo disso é o impacto em combustíveis e fontes de energia, que foram fortemente impactados por conflitos mundiais, como a guerra entre Rússia e Ucrânia. “Isso mexeu com fonte de energia no mundo porque teve que acionar mais termelétrica, então ficou em stand by [o tema]. Existem contextos mais ou menos favoráveis a essa agenda”, pontua.
A especialista também pondera que o desinvestimento deve ser feito com foco na transição, já que uma mudança abrupta pode gerar problemas econômicos e sociais.
“Ninguém dorme e acorda sustentável. Seria irresponsável virar um botão e falar ‘não uso mais petróleo’. Você pararia o mundo. Tem que olhar em uma lógica de transição. Se você desinveste de um setor crítico do dia para noite ou sem construir com essa empresa um caminho, pode causar uma crise social porque essa empresa emprega pessoas, tem fornecedores pequenos e médios que dependem dela. O desinvestimento tem que estar dentro de uma estratégia responsável de construção deste caminho”, ressalta.
Mudanças climáticas
Em relação às mudanças climáticas foram avaliadas a pegada de carbono dos bancos e a capacidade de seus portfólios se adequarem ao cenário de 1,5°C, estratégias de transição para uma economia de baixo carbono, incluindo a substituição de combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis.
O tema também analisa se as instituições incentivam as empresas que investem e financiam a medir, divulgar e reduzir suas emissões, além de examinar a sua capacidade de eliminar gradualmente o financiamento e os investimentos em atividades que geram emissões inaceitavelmente altas de Gases de Efeito Estufa (GEE)
Neste tópico, segundo o estudo, quase todos os bancos não disponibilizam informações sobre as suas emissões absolutas de gases do efeito estufa relacionadas a seu portfólio de financiamento e investimento, seja que resultam de atividades sob o controle do banco ou empresa, causadas pelo uso de energia e compra dos bancos e empresas ou emissões ligadas à cadeia de valor do banco ou empresa financiada.
Salvaguarda climática
Em relação ao monitoramento de riscos em relação aos investimentos e financiamentos, chamado de salvaguarda climática, os bancos ainda pecam em relação à gestão de ativos próprios e de terceiros, segundo a pesquisa. Os bancos devem, segundo Catão, realizar uma avaliação rigorosa dos riscos para as pessoas e para as natureza antes de optar por investir em um determinado projeto.
Pelo fato de os bancos viabilizarem projetos de pessoas físicas e jurídicas, explica Consiglio, há uma importância “estrutural” dessa análise para as próprias instituições, que são consideradas “corresponsáveis”. “Quando ele concede o crédito para uma instituição, se não observar se vai ter impacto ambiental e social e depois tem, ele é corresponsável por isso”, comenta.
Nesse aspecto, o relatório aponta que há alguns compromissos relacionados ao enfrentamento às mudanças climáticas para as políticas de crédito e financiamento de projetos, mas, quando relacionado às carteiras de investimento, os mesmos compromissos “são praticamente inexistentes”.
Segundo Consiglio, porém, a evolução das ações — tanto em relação a esse, como aos outros temas do estudo — necessitam de tempo. “Por ser uma agenda de transformação de modelo de mundo, que passa a considerar meio ambiente e pessoas no econômico, a mudança não será feita rapidamente, sem idas e vindas”, diz a especialista, pontuando que a sensação sempre será de estar atrasado, frente à urgência do tema e da situação global.
“Tudo que a gente fizer nessa agenda [climática], ela é em menor velocidade e menor intensidade. A gente já está perdendo nessa corrida. É importante reconhecer isso porque temos a noção da urgência”, ressalta a especialista.
O que dizem os bancos
A metodologia da pesquisa é criticada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelos bancos associados. Em nota conjunta enviada ao Valor, a entidade e as instituições discordam dos resultados e dizem que “foram apresentadas várias sugestões para o aperfeiçoamento da metodologia, as quais, convenientemente, não foram incorporadas ao estudo”. Além disso, apontam que o desempenho no estudo “não reflete os avanços, as políticas e iniciativas dos bancos voltadas à responsabilidade social, ambiental e climática”, ressaltando que o setor foi pioneiro na questão e que possui regras e diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), Banco Central (BC), sistema de autorregulação setorial do país e Febraban.
“Os bancos também estabelecem protocolos para a gestão dos riscos socioambientais e critérios para a concessão de crédito. “Seja por meio de suas Políticas de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática, seja por meio dos mecanismos de autorregulação setorial, segundo os quais os bancos se comprometem, de forma voluntária, a seguir padrões ainda mais elevados de conduta e são periodicamente supervisionados, podendo sofrer punição em caso de descumprimento”, destaca a nota.
Além disso, diz a entidade, desde 2015 os bancos medem os fluxos de financiamento do sistema bancário, por atividades econômicas, a partir de critérios socioambientais com a Taxonomia Verde da Febraban. Por fim, ressalta que os bancos também estão “alinhados aos compromissos globais de mitigação dos riscos socioambientais e climáticos, e são reconhecidos em diversos rankings e índices de mercado em sustentabilidade nacionais e internacionais”.
A Caixa, em comunicado enviado ao Valor, afirma que adota critérios sociais, ambientais e climáticos nos financiamentos de projetos, com base nos “Princípios do Equador” e nos “Padrões de Desempenho da International Finance Corporation”. Para setores cujas atividades são passíveis de licenciamento ambiental, o banco informou que possui regras específicas que são condicionantes para a concessão de crédito, como comprovação da regularidade ambiental e observância à legislação do setor.
Além disso, a instituição ressalta que “avalia os riscos sociais, ambientais e climáticos em seus relacionamentos e define sobre o fornecimento ou não de crédito, financiamento ou relacionamento com empresas, pessoas e fornecedores, de acordo com os riscos identificados”. Por fim, o banco reiterou que mantém uma contínua melhoria de processos e de governança, “utilizando-se também da análise emitida pelas entidades da sociedade de modo a fortalecer o seu papel no desenvolvimento sustentável do país”.
Já o BNDES, que se manteve no primeiro lugar, mas apresentou recuo em relação à edição anterior, informou, em nota, que a instituição “ocupa há muitos anos a primeira posição no ranking do IDEC de bancos responsáveis” e que, nesta edição, “a pesquisa utilizou metodologia mais restritiva, que derrubou a média da nota dos outros bancos, enquanto a do BNDES se manteve praticamente inalterada, posicionando-se na primeira colocação entre todas as instituições”. O banco também ressaltou que “acompanha a constante evolução do tema e atua dentro das melhores práticas internacionais de sustentabilidade”.
Procurados pelo Valor, os bancos Safra, BTG, Bradesco, Itaú e Banco do Brasil informaram que não comentarão o resultado da pesquisa e que seguem a posição da Febraban em relação ao estudo. O Santander não respondeu ao Valor e o espaço segue aberto.