Na presidência do G20 e anfitrião da COP30, o Brasil ganha cada vez mais espaço quando se fala em finanças climáticas. Com a atenção de investidores internacionais voltada para o país, a maior gestora de recursos brasileira, com R$ 1,4 trilhão sob gestão, se prepara para abocanhar uma fatia desse dinheiro.
A BB Asset, do Banco do Brasil, quer ajudar a ampliar o alcance de todo o conglomerado na frente ESG, diz o CEO Denísio Liberato ao Reset.
Com os investidores institucionais, o objetivo é estabelecer uma ponte entre o Norte e o Sul global para fazer fluir os recursos que buscam alternativas ‘verdes’. Já para os investidores individuais, o foco estará em oferecer soluções mais customizadas do que as que estão hoje na prateleira do banco.
“Uma das dificuldades nessa temática de finanças sustentáveis é a capacidade de originar ativos. Aqui no Brasil, essas operações ainda são tímidas”, afirma Liberato.
Atacar esse desafio foi um dos gatilhos para a criação de uma nova gestora no início do ano, em uma parceria entre a BB Asset e a JGP, da qual Liberato foi o arquiteto. A nova casa irá focar exclusivamente em produtos com atributos ESG.
A primeira iniciativa da parceria, antes mesmo da criação formal da nova empresa, foi disponibilizar aos clientes do banco o fundo de crédito privado ESG da JGP. O fundo espelho, batizado de BB Espelho Renda Fixa JGP Equilíbrio IS Crédito Privado, captou, em pouco mais de um mês, cerca de R$ 500 milhões – algo impensável sem o poder de fogo do BB (a JGP havia atraído cerca de R$ 80 milhões até então)
Liberato chegou à presidência da gestora em junho passado, com o objetivo claro de aumentar a oferta de instrumentos ESG – antes, foi diretor de investimentos da Previ, maior fundo de pensão brasileiro, que gere a aposentadoria dos funcionários do banco.
Em janeiro de 2023, foi convidado a integrar o conselho do Principles for Responsible Investment (PRI), uma rede global de investidores que conta com o apoio da ONU para fomentar a integração de fatores ambientais, sociais e de governança em investimentos.
Primeiro negro a se tornar presidente da gigante BB Asset, Liberato fala sobre a resiliência para enfrentar diferentes casos de discriminação racial pelo caminho. “A questão racial entra na pauta por ser um vetor de crescimento. O Brasil cresce pouco, é um país pobre com a renda per capita baixa. E é assim há muito tempo, por conta da desigualdade de oportunidades.”
A seguir, os destaques da entrevista:
Quando assumiu a cadeira de CEO, no ano passado, você afirmou querer transformar a BB Asset em um ‘hub ESG’. O que muda em relação ao que já é feito?
Na minha primeira reunião na Asset, a conversa parecia de louco. A turma me olhou um tanto espantada. Aqui, o pessoal tinha essa visão do ‘trade-off’, já que finanças sustentáveis não costumam entregar retorno no curto prazo. Mas entendemos que o que havia, na verdade, era desconhecimento sobre o tema.
Há diversas variáveis macro e microeconômicas que afetam o comportamento de uma ação, e é um exercício muito difícil isolar o efeito das finanças sustentáveis. As pessoas acabam confundindo e, com a febre do tema ESG que surgiu na pandemia, apareceu muita gente se dizendo especialista.
Estou ajudando a desconstruir esse raciocínio na BB Asset, trabalhando para disseminar o conhecimento sobre a pauta e compartilhando o conhecimento que tenho sobre as discussões feitas no exterior. E a mudança já está acontecendo. Os nossos gestores se encantaram quando viram que o primeiro produto que trouxemos nessa linha [junto à JGP] parou em pé, e que, se a construção for bem feita, é possível entregar retorno e impacto.
O Banco do Brasil tem a meta de atingir R$ 22 bilhões em ativos sustentáveis até 2030. Como a gestora vai contribuir para que o banco chegue lá?
O banco está muito bem posicionado em crédito, com operações mais massificadas e pouco customizadas. E uma das dificuldades nessa temática de finanças sustentáveis é a capacidade de originar ativos. Aqui no Brasil, essas operações ainda são tímidas.
Esse foi um fator que serviu de gatilho para nossa decisão de criar uma nova gestora, com a JGP, para explorar alternativas de negócios e empacotar ativos verdes e sustentáveis.
Assim que cheguei à presidência, o conglomerado do BB estava discutindo o planejamento estratégico, e a presidente, Tarciana Medeiros, fez uma provocação para que deixássemos de ser referência em ESG e nos tornássemos protagonistas.
A asset pode contribuir para fazer a ponte entre o capital financeiro do Norte global, que queremos mobilizar, e o capital natural do Sul. A gestora pode fazer isso de forma muito leve, porque os fundos são um veículo que todo mundo conhece e entende.
Os organismos multilaterais também se sentem mais confortáveis em operar em uma instituição com mais de 200 anos, como a nossa, do que em colocar dinheiro em gestoras independentes.
O Banco do Brasil é o maior financiador do agronegócio no Brasil, com quase 70% do market share. A gestora tem trabalhado com esse enfoque?
Sim, conseguimos desenhar uma organização bem bacana. Por ter muitos clientes, às vezes o banco não consegue atender tudo que chega lá. A ideia é que consigamos aumentar a potência e o alcance de todo o conglomerado. Podemos tentar abarcar na gestora um cliente que levaria um ‘não’ por lá.
E a BB Asset vai concentrar toda a atuação ESG na nova joint-venture com a JGP ou também fará coisas de forma independente?
Tudo o que for de gestão ativa de finanças sustentáveis estará nessa nova casa, cuja marca ainda estamos decidindo. Essa nova empresa vai atacar crédito, ativos líquidos e ilíquidos, private equity, venture capital, empresas listadas com engajamento…
Há um mês, nós lançamos um primeiro fundo, como piloto, e a captação está chegando a R$ 500 milhões.
Antes da parceria, esse fundo tinha menos de R$ 100 milhões. Está andando bem rápido…
Sim, está. Quem está entrando no fundo são pessoas físicas, por conta da boa rentabilidade. Tivemos vários debates até chegar em um formato que entendemos ser um novo padrão.
Nessa operação, tem muitas coisas ilíquidas incluídas, como recuperação de área degradada na Amazônia, com instrumentos mais líquidos, como debêntures verdes e CRAs. Assim, estamos conseguindo dar uma saída de cinco ou dez dias para o investidor individual. É uma maneira de levar para a pessoa física operações sofisticadas que outrora não seriam acessíveis.
Você acha que é preciso subir a barra aqui no Brasil para os produtos financeiros que se dizem de finanças sustentáveis?
Sim, e acredito que esse seja um caminho natural. O mercado vai amadurecer, mas ainda estamos no início da jornada, do ponto de vista de estruturação, e há essa dificuldade de originação de ativos [sustentáveis]. O mercado de bancos é um oligopólio no Brasil, enquanto o de capitais é um pouquinho mais competitivo.
Como o fee é sobre o tamanho de cada operação, a maioria dos bancos de investimento sequer olha quando aparece uma de R$ 20 milhões. É preciso ver o lastro, a certificação, o impacto para a comunidade… Dá trabalho, o ticket é pequeno e a conta não se paga. Então, quando você consegue captar um fundo para fazer esse investimento, pode dar escala e multiplicar essa operação.
Quais outros produtos a nova gestora está preparando nessa linha?
Ainda não podemos falar muito, mas vão ser criadas outras famílias desses fundos com uma liquidez mais dilatada, ou seja, voltadas para um investidor que não precise do dinheiro em cinco dias e aceite ficar preso por um ano. O nível da rentabilidade muda, a sofisticação da estruturação muda.
E para o investidor institucional?
Alcançar esses bolsos nas economias do Norte é um objetivo que temos. Eles estão bem posicionados na gestão passiva por aqui, mas na ativa, a alocação ainda é tímida, e todo o mundo está atrás de ativos com essas características sustentáveis.
Estamos trabalhando fortemente para entender o que cada investidor busca e qual o ângulo ideal para os produtos que estamos construindo. Uma vez que a identidade e a parte burocrática da nova gestora esteja pronta, traremos mais detalhes. Só então faremos um roadshow para apresentar para o investidor institucional o que estamos conversando aqui.
Isso também vale para o mercado local, mas por aqui ainda estamos em um trabalho de educação, enquanto o investidor estrangeiro já está mais acostumado com essa conversa, principalmente o europeu.
Vamos tentar dialogar com esses dois mundos. Lá fora, às vezes o sarrafo é mais alto por já haver uma tradição em buscar esse tipo de investimento. A taxa de juros real ficou negativa por muito tempo, só agora está chegando ao zero a zero, e a questão cambial está sendo endereçada. Tudo isso nos ajuda.
No Brasil, os grandes investidores institucionais não estão engajados nas finanças sustentáveis. Você veio da Previ, um fundo de pensão. Na sua opinião, o que precisa acontecer para esse capital fluir?
Falta uma atualização no aspecto regulatório. O governo está avançando bem no plano de transição ecológica e taxonomia. Mas, nas fundações, um avanço relativamente simples seria a alocação mandatória em ativos de finanças sustentáveis.
Tem um material bem bacana que foi produzido pelo UNEP-FI que diz que o dever fiduciário [dos gestores de recursos] no século XXI inclui prestar atenção nas finanças climáticas. Um fundo de pensão, uma seguradora de vida, um fundo soberano, e mesmo um family office ou endowment de faculdade, essa turma quer deixar dinheiro para gerações futuras, eles têm que ser os primeiros a levantar a bandeira das finanças sustentáveis.
Lá fora, os fundos de pensão já precisam mostrar o seu portfólio e a pegada de carbono. Falta aqui uma regra. A Previ foi o primeiro fundo a fazer mapear a pegada de carbono de seu portfólio, mas deveria haver mais gente fazendo esse trabalho.
Você é o primeiro CEO negro da BB Asset. Como foi sua trajetória para chegar à presidência?
Sou de uma família muito humilde de Ponte Nova, no interior de Minas Gerais. Filho de pai servente de pedreiro e mãe dona de casa. Fui estudar na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e, no meio da graduação, passei no concurso para o Banco do Brasil. Comecei como escriturário. Foi assim que começou minha carreira no banco.
Houve muita discriminação, obviamente, nessa trajetória.
Hoje existem cotas, mas na minha época não tinha nada disso. Fiz mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2004, um ambiente super elitista em que eu era o único negro da turma.
Quando cheguei, meus colegas levaram um susto. Os outros negros lá eram, de fato, o pessoal da limpeza e da segurança. Também era assim na alta hierarquia do banco, na minha época. Desde cedo, venho aprendendo a ter resiliência para seguir apesar dos diversos casos de racismo ao longo desse caminho.
Acho que tem um simbolismo estar nessa posição que ocupo hoje na gestora. A BB Asset é líder em uma indústria predominantemente masculina e branca. Acredito que estar aqui passa a mensagem aos meus semelhantes de que com muito estudo, dedicação e um tanto de sorte, que é também necessária, as coisas acabam acontecendo.
Temos visto você bem vocal sobre o tema racial, em comunicações do banco e em redes sociais.
Por estar em uma gestora, não mais em um fundo de pensão, tenho participado mais da comunicação. Falar da questão racial entra na pauta por ser um vetor de crescimento. O Brasil cresce pouco, é um país pobre com a renda per capita baixa. E é assim há muito tempo, por conta da desigualdade de oportunidades.
A resposta mais direta é investir na educação, só que o impacto será sentido daqui a 50 anos. Se você der espaço e oportunidade para os negros também no mercado de trabalho, o impacto será muito mais rápido.
E como essa visão será incorporada nos fundos da asset?
Nós vamos fazer um trabalho de engajamento com as companhias para avançar nessa pauta e estimular as empresas principalmente na parte da inovação, pelo braço de private equity e venture capital. Não tem nada pronto, mas vamos usar o capital catalítico para dar escala.
Fonte: Capital Reset