De malas praticamente prontas para retornar ao País e assumir o comando do Banco do Brasil, André Brandão, egresso do HSBC, é favorável à agenda liberal, mas entende que a privatização do conglomerado, rechaçada pelo presidente Jair Bolsonaro, não é tarefa ‘tão simples’, dizem fontes próximas, que concordaram em falar na condição de anonimato ao Broadcast. O executivo tem desenhado os planos de sua gestão a partir de uma transição virtual, necessária tanto pela distância – ele ainda está em Nova York – quanto pela pandemia, e, embora venha da iniciativa privada, defende um perfil ‘o mais prata da casa possível’ na alta cúpula depois da debandada de profissionais na gestão atual.
Uma agenda de videoconferências online está prevista para ocorrer com vice-presidentes do banco nos próximos dias enquanto Brandão não chega no Brasil. Sua volta está prevista para a segunda quinzena de setembro e a ideia da equipe econômica, segundo duas fontes, é realizar a cerimônia de posse até o fim do mês. A data ainda não estaria fechada, mas pode ocorrer a partir do dia 21 de setembro, quando o novo presidente do BB, que tem 55 anos, já estará instalado em solo brasileiro após pouco mais de 4 anos fora.
Por ora, Brandão tem sido munido de informações por integrantes do conselho de administração do banco, dentre eles, o chairman Helio Magalhães, ex-Citi, do qual é próximo, e ainda o demissionário presidente do BB, Rubem Novaes. Também tem mantido contato com o ministro da Economia, Paulo Guedes, quem lhe fez o convite para o cargo. Foram poucas conversas até aqui. O futuro chefe de Brandão quer pautá-lo assim que ele chegar ao País, em um tradicional tête-à-tête.
Um esboço do que será a gestão do executivo a frente do BB, porém, já começa a ser desenhado. Brandão vê urgência em trabalhar os pontos fortes da organização e em paralelo tocar uma agenda de desinvestimento de algumas atividades, já em curso, conforme fontes relatam ao Broadcast. Nessa lista, a principal missão é preparar o banco de varejo com 38,3 milhões de correntistas para a arena que se transformou o setor com o ataque digital de fintechs e, mais recentemente, as big techs, gigantes da tecnologia.
Outros negócios que saltam aos olhos de Brandão, conforme o relato das fontes, incluem o setor de agronegócios, do qual o BB é líder mas enfrenta crescente concorrência dos pares privados, e ainda relacionados ao comércio exterior.
Agenda de desinvestimentos
Se de um lado quer reforçar áreas de expertise do banco, do outro, o futuro presidente deve avançar na agenda de desinvestimentos. Ele ainda não teria batido o martelo quanto aos negócios alvo – prefere tomar o prumo das coisas antes, mas, nos bastidores, o que se espera é continuidade em relação ao que já está encaminhado.
“A agenda liberal faz sentido, mas a questão é timing e como. A agenda de privatização é do ministro [Paulo Guedes] e do presidente [Jair Bolsonaro]”, resume uma fonte, próxima a Brandão, ao comentar sua visão sobre desinvestimentos. “Tem gente que fala que o governo deveria simplesmente privatizar o banco. Não é tão simples assim. Dá para fazer uma agenda paralela”, acrescenta o executivo.
Um negócio que Brandão mostra interesse em deslanchar, segundo apurou o Broadcast, até por sua experiência nesse universo, é a joint venture com o suíço UBS na área de banco de investimentos. O negócio recebeu o aval do Banco Central na semana passada, conforme revelou o Broadcast, e a expectativa é de que esteja de pé em meados de outubro.
O futuro presidente do BB também deve dar tração nas negociações com o Bradesco, do qual o banco tem várias sociedades no mundo. A Cielo é a principal delas e também a mais difícil por conta da Cateno, da qual o BB detém 30%. O executivo criou uma boa proximidade junto à Cidade de Deus, sede do banco privado, quando capitaneou a venda da operação brasileira do HSBC. A pessoas próximas, ele tem dito que a relação pode ajudar e que o foco é ser um intermediador a partir de um contato franco com o Bradesco, mas com o objetivo principal de atender aos interesses do BB.
“André [Brandão] é hábil no trato difícil, equilibrado sob qualquer pressão e correto ao deliberar”, diz um experiente executivo do setor e que trabalhou ao lado de Brandão.
Gestão compartilhada
Ainda que não seja um ‘banqueiro de varejo raiz’, Brandão não demonstra se intimidar com questionamentos levantados no mercado quanto ao seu perfil de ‘banco de atacado’ – ele começou a carreira em tesouraria. O executivo tem sinalizado que sua gestão será ‘compartilhada’, contando com o apoio dos vice-presidentes do BB. Quando capitaneou a operação brasileira do HSBC, posto que ocupou por quatro anos, eram cerca de mil agências e um contingente ao redor de 10 mil pessoas. Como comparação, o BB tem uma rede de 4.367 agências e 94.350 funcionários.
De cara, Brandão terá de nomear um vice-presidente para a área de negócios de atacado. Com a morte repentina de Walter Malieni, aos 50 anos, o cargo está vago desde o início de agosto. Por ora, o vice-presidente corporativo do BB, Mauro Ribeiro Neto, acumula a cadeira como interino. O atual presidente do BB preferiu deixar a escolha para seu sucessor, que já teria sinalizado preferência por uma sucessão interna e o ‘mais prata da casa possível’. Sua postura teria agrado até mesmo executivos do banco ainda ressabiados, diz outra fonte.
Nos corredores do banco, a expectativa em torno de sua chegada é grande e positiva. Passada a euforia inicial, os questionamentos sobre o currículo do executivo e ainda o histórico do HSBC, envolvido em escândalos financeiros, foram colocados de lado. “Falta ainda ele dizer a que veio, mas ninguém vê descontinuidade”, afirma uma pessoa próxima ao banco.
Mais rentabilidade
No polêmico duelo entre market share ou margem, internamente, espera-se que a gestão de Brandão seja voltada à rentabilidade. O executivo já teria ventilado em conversas reservadas que o foco na tríade – redução de custos, melhora do retorno e das receitas – será mantido. Por consequência, essa seria a melhor estrada para diminuir o desconto das ações do banco frente a seus pares na bolsa brasileira.
A gestão atual, de Novaes, e também a anterior, de Paulo Caffarelli, hoje na Cielo, focaram em posicionar o BB na cola dos pares privados em termos de retorno. Isso antes de a pandemia varrer os indicadores das grandes instituições financeiras no País. Como consequência, a rentabilidade do BB, no critério mercado, saltou de 8,4% ao fim de 2016 para 17,7% ao término do ano passado. Com o efeito da covid-19, que obrigou os bancos a reforçarem seus colchões para perdas, o indicador caiu a 11,9% em junho último, assim como se viu nos privados.
Também há uma torcida para que o futuro presidente ajude a posicionar o BB na agenda ESG, sigla em inglês para resumir práticas responsáveis nas áreas ambientais, sociais e de governança. Por ora, os rivais privados, que se uniram em meio à covid-19, têm tido mais holofote no tema, em grande evidência na atualidade.
No mercado, analistas ouvidos pelo Broadcast estão ansiosos para saberem a lista de desinvestimentos que Brandão abraçará, mas reforçam a importância da rentabilidade. Cobram a necessidade de o BB fechar o ‘gap’ junto aos privados ainda que não tenha o mesmo poder de fogo do lado de receitas de prestação de serviços. Além de ter vendido o controle da Cateno para a Cielo, que captura parte relevante dos ganhos com cartões, abriu o capital do negócio de seguros, sob o guarda-chuva da BB Seguridade.
Estilo discreto
Para Brandão, a presidência do BB agrega uma importante marca em sua carreira. De estilo discreto, o novo posto vai lhe exigir mais aparição e trato com o ambiente político, o que aparentemente não o assusta. Além disso, o convite veio a calhar. Sua carreira no HSBC, onde entrou em 1999, estava com os dias contados uma vez que ele tinha planos de voltar ao Brasil com sua família, apurou o Broadcast.
Brandão substituirá o economista Rubem Novaes, escolhido para capitanear o BB durante o governo Bolsonaro. Aos 75 anos, ele avalia ser a hora de passar o bastão a alguém mais jovem e mais ligado à geração digital. Pesou ainda o cansaço com o ambiente de Brasília.
Fonte: Estadão